bordando com cabelo e o poder da síntese

Sempre tive cabelo curto. Sempre me reconheci no cabelo curto. Mas ao longo da quarentena, meu cabelo cresceu e tive que me adaptar a ele. 

Um cabelo comprido ocupa espaço. Esbarra e influencia nos nossos movimentos. É preciso saber lidar com ele. 

Me adaptei ao cabelo comprido devagar, conforme ele crescia, enquanto me adaptava à quarentena. Enquanto me adaptava à mudanças; enquanto redescobria o quanto gosto da minha própria companhia e enquanto aprendia a ser artista.

Junto com o cabelo eu cresci também e, conforme cresci, mergulhei dentro de mim. Tão fundo que foi como se tivesse chegado ao limite da minha Fenda das Marianas. 

Minha irmã me ensinou que a Fenda das Marianas é o lugar mais profundo do Oceano.

Lá, eu percebi que para alcançar outras profundezas, precisaria de outros mergulhos e, para isso, precisaria voltar à superfície e me despir do que já não me cabe mais para enxergar para onde quero ir dessa vez. 

(rascunho desse post, parado aqui no blog por muitos meses)

"Tem um quê de fascinante e convidativo no chumaço de cabelo cortado. Fico com vontade de passar a mão e, quando olho pra ele, quando pego nele, reconheço que aquele cabelo é meu. Reconheço a cor, a textura, a sensação e também descubro coisas novas, percebo como é mesmo nítida a mudança de cor e textura entre os fios da parte de cima e da parte debaixo da cabeça. Vejo com outros olhos tudo aquilo que já vi antes, tudo aquilo que conheço tão bem, tudo aquilo que não me pertence mais. 

Me sinto assim olhando e pegando no cabelo da cabeça também, curto de novo. Relembro coisas sobre mim enquanto redescubro o curto, vejo o que é meu mesmo, o que eu quero que fique, o que eu quero deixar ir, o que quero cultivar. O cabelo que sempre tive e ainda assim tão diferente. Tem mais eu aqui dessa vez."

(trecho de um cadernos, logo após cortar o cabelo)


Há muito tempo venho planejando fazer um bordado com meu cabelo. Queria experimentar esse material, bordar com uma parte do meu corpo e também marcar as muitas reflexões que esse cabelo me proporcionou, principalmente durante a quarentena. Cortar meu cabelo curto novamente foi mesmo um marco de reconexão comigo mesma, do retorno ao contato com o mundo exterior. 

Foi difícil encontrar algo para bordar que fizesse sentido e tivesse força. Decidi unir as reflexões sobre o cabelo com as imagens mentais que me guiaram durante alguns meses do processo de análise entre o final do ano passado e o começo desse ano. Queria escrever palavras-título para pequenos textos que sintezavam aquele momento e conclusões, mas admito que não estava satisfeita. Apenas teimosa. Bordar com o cabelo também se mostrou mais difícil do que eu podia imaginar e acabei deixando o projeto parado, me cobrando de um canto da casa.

Eis que agora em junho me aproximei da Liliana Monetta e sua monografia. Elas mereceriam um post só para elas, pois foram responsáveis por catalisar questionamentos complexos e ardidos sobre meus interesses e objetivos enquanto artista. No meio dessa reavaliação de tudo, percebi que certas coisas podem ser muito mais simples. Precisam ser muito mais simples. Experimentações e exercícios

Voltei aos tecidos e bordei apenas as palavras-título: elas já davam conta de dizer tudo que precisava ser dito (pelo menos para mim. Tenho clareza que esse projeto é bastante hermético e talvez não comunique nada para mais ninguém além de mim. Mas tudo bem, pois, novamente, é um exercício. Em si e um exercício para eu me aproximar do "simples", do estudo, do rascunho, do teste.)

Talvez fosse isso que esse bordado queria me ensinar, pois depois de ter entendido e aceitado isso, bordei tudo numa tacada só e numa facilidade impressionante. Mudei a técnica: passei a pegar dois fios - e não três como fazia antes - pelas pontas do cabelo e não do início. Assim tinha certeza que eles teriam o mesmo comprimento e podia visualizar melhor as espessuras para escolhê-las. Diminuir as sobras de cabelo no avesso também foi importante, pois assim os fios não se enganchavam e nem se confundiam em nós. 

Enfim, um post simples e rápido para marcar que entendi que as coisas podem ser simples e rápidas também.


o bordado


o chumaço de cabelo





Com carinho, 

Lorenza


 







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