Tem mais seu aqui do que eu pensava

Em fevereiro deste ano, minha mãe se mudou do apartamento onde cresci. O apartamento que foi minha casa de infância, onde fiz minhas primeiras amigas e onde grande parte da minha personalidade foi moldada. 

Apesar de já não morar lá há seis anos, essa mudança mexeu muito comigo e me fez revisitar muitas memórias, afetos e histórias e por isso, em mais de um momento durante a mudança, me vi perdida em meio a fotografias antigas. Fotografias de quando eu era pequena, de quando o apartamento tinha outros móveis e outra configuração, de quando lá ainda era também a casa do meu pai. Meus pais se separaram quando eu tinha 6 ou 7 anos e tenho poucas lembranças de quando eles eram casados. Tenho lembranças de afeto, da construção de laços, da segurança e amor que permeou minha vida nesses primeiros anos. 

Vendo as fotos dessa outra configuração de vida, reparei em objetos que marcaram o começo da minha percepção do mundo, que teve início com a percepção da minha casa, e reparei que grande parte desses objetos eram do meu pai. Coisas que vieram dele e que nunca saíram de lá. Coisas que de alguma forma sempre me trouxeram segurança, mesmo sem que eu percebesse. 

Essa reflexão ficou muito clara enquanto eu desempacotava as coisas da mudança de minha mãe e descobria objetos que eram a cara dela e outros que nem tanto. Nesse novo apartamento, que é o primeiro apartamento que é, desde o começo, somente da minha mãe, os objetos do meu pai destoaram e em algum ponto foram rearranjados no meu quarto de lá, junto com a outra grande coisa que veio dele e continua por ali: eu. 

Fiquei com essas reflexões na cabeça e quando, no comecinho de março, fui selecionada para uma oficina de autorretrato com a fotógrafa Jacqueline Hoofendy, pelo Primeiro Festival Paiol de Fotografia (essa oficina vai ter um post só dela em breve) e deveria desenvolver um trabalho de autorretrato, ficou claro que seria um autorretrato a partir do meu pai, buscando o que tem dele dentro de mim. 

Logo antes disso tudo, dessa vinda a Curitiba, eu tinha passado por uma situação bem desagradável que já me tinha feita pensar sobre as contribuições que meu pai me fez, coisas que estavam meio esquecidas, mas que fazem parte de quem eu sou e de uma parte que gosto muito. 

Pois bem, reuni os tais objetos e organizei-os da frente de um espelho que é da minha mãe, mas já foi da casa da minha avó, mãe de meu pai. Foi um processo curioso porque tinha recursos bastante limitados entre tempo, espaço e os props e o resultado final não mudou quase nada da minha ideia original e ao mesmo tempo mudou radicalmente. Isso porque tive orientação da Jacque e, por mais que o conceito e as possibilidades de caminho estivessem bem estruturados, haviam detalhes a serem aprimorados que não teria pensado sozinha: eis a importância de mentorias e convívio com artistas mais experientes que nós!

Ela me instruiu sobre afinar o enquadramento, a deixá-lo igual em todas as fotografias a fim de gerar unidade, me ajudou a editar as fotos (que descobri que é diferente do tratamento. O tratamento se refere a ajustes de cor e luz, na pós-produção, enquanto a edição é "simplesmente" a seleção das fotos), me ajudou a selecionar quais objetos deveriam ou não entram assim como quais poses fariam sentido. Não adiantava fazer sentido só na minha biografia e relação com meu pai e não comunicar com quem vê. Jacque me fez sentir mais segura.

A quantidade de fotos que tirei para chegar num resultado aparentemente simples foi impressionante e mostra como a arte realmente exige trabalho. 

Precisei da ajuda da minha mãe para me posicionar para cobrir o tripé com meu corpo e posicionar minha cabeça para que ela não aparecesse demais nem de menos - essa parte foi complexa. Foi no meio dessa ajuda que as pernas dela apareceram sei querer e acabaram sendo absorvidas na foto final. Achei que fez sentido. 

Entre os objetos selecionei: livros do Jung, canetas tinteiro, relógios, abotoaduras, pequenas esculturas, um mancebo, um cortador de unha, meus óculos, o espelho. Vesti um blusão que é mais velho que eu e tem o formato do corpo do meu pai e fotografei meus pés, que são idênticos aos dele. 

As outras poses foram sugestões da minha mãe, em posições bem características do meu pai quando está concentrado. Foi uma experiência interessante reproduzir essas poses em frente ao espelho, nesse momento de concentração e introspecção: vi cada pedacinho do meu rosto, meu corpo, meu jeito que vem do meu pai. Percebi que sou mesmo uma amálgama dele. 

Quando apresentei as fotos para o grupo do workshop, fui estimulada a dar continuidade a esse trabalho e pretendo fazer isso. Gostaria de trazer minha irmã para participar dessa vez. 

teste de pose/ação


pés antes do ajuste de enquadramento


os objetos e espaço para além do espelho


teste de espaço vazio


Fotografias finais:







Com carinho, 

Lorenza




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