o que fazer com todo esse amor: experimentações e investigações

Em 2020, terminei um relacionamento que foi ponto de partida de muitas reflexões e projetos e, durante um dos períodos mais ardidos, eu sentia como se pudesse segurar - como se sentisse fisicamente mesmo - meu amor por aquela pessoa. 

Conforme o tempo passou, comecei a sentir que aquele amor não cabia mais ali, nas minhas mãos. Quase como se eu carregasse um peso morto, algo que não me pertencia mais, mas pelo qual eu era, de alguma forma, responsável. Sentia que eu precisava encontrar um lugar para guardar aquilo - e liberar minhas mãos para outras coisas. 

Até que em uma sessão de análise, entendi que eu não precisava me preocupar com aquilo, nem em segurar aquele amor, nem em guardá-lo: como uma fruta que cai do pé quando madura, na hora certa ele encontraria seu lugar, dentro e também fora de mim. Se diluiria em pequenas partes e cada uma encontraria seu lugar. 

E foi bem isso mesmo que aconteceu: quando ele estava pronto - ou melhor, eu estava pronta - esse amor caiu das minhas mãos e aos poucos foi achando os lugares em que caberia estar (o vídeo "Você vai e volta." fala um pouco sobre isso).

Fiquei com essa imagem na cabeça e achei que daria um vídeo ou performance interessante, mas segurei a ideia porque achava que precisaria de muitos mais recursos para executá-la do que tenho hoje: pensei em gravar um percurso pela cidade segurando esse "amor" - meio inspirada pelas andanças de Paulo Nazareth -,  o que envolveria outra pessoa me gravando e uma movimentação pela cidade que não se encaixa muito bem nas minhas pesquisas de agora, ou em usar algum material sólido e pesado que se quebrasse quando caísse no chão, o que implicaria não só encontrar o material ideal mas correr o risco de estragar o piso onde fizesse a gravação.

Mas cada vez que eu conversava com outras pessoas que também passaram por términos recentes, eu me dava conta que existia alguma coisa potente e relevante nessa ideia; inclusive uma boa possibilidade de começar a entender como discutir pontos mais universais a partir de experiências pessoais, a partir da autobiografia - que é meu tema de maior interesse. 

Encontrar esse equilíbrio entre o pessoal e o universal é um grande desafio e venho entendendo que esse equilíbrio só se dá a partir da experimentação, do desenvolvimento do trabalho artístico e, de alguma forma, de um "esgotamento" de temas pessoais. Trabalhar temáticas pessoais parece-me ser uma ferramenta importante para compreensão de quem somos - o que é essencial para qualquer processo artístico se desenvolva (a tese "Espelho, espelho meu?: autorretratos fotográficos de artistas brasileiras na contemporaneidade", de Mariana Meloni Vieira Botti, me ajudou muito nessa compreensão).

Sinto que tudo que produzi até "Até quando vou me submeter a isso?" foi num movimento intenso de expulsão, de expurgo de tudo que eu estava sentindo, um movimento necessário para que eu pudesse enxergar com mais clareza o que de fato quero produzir e que entro agora num processo de maior experimentação, pesquisa e descobertas. "O que fazer com todo esse amor" marca esse momento.

Antes de mais nada, esse vídeo-experimento me lembrou como gosto de gravações. O planejamento, a preparação, a concentração, os desafios que mesmo o vídeo mais simples envolve. 

Optei por bolinhas de gel, daquelas que crescem na água, e por gravar na minha sala. Fiz alguns testes de enquadramento e ação e cheguei a conclusão que não poderia testar muito, já que a imprevisibilidade e dificuldade de lidar com as bolinhas escorregadias era parte importante da vídeo, portanto não poderia descobrir antes da hora as melhores formas de segurá-las e manipulá-las. 

Acho importante destacar que o vídeo "final" é uma de algumas tentativas e repetições, escolhido a partir das movimentações/ações que faziam mais sentido. Tendo em vista que o término que gerou essas reflexões foi em 2020 e estamos em 2022, muitos dos sentimentos que geraram essa ideia já estavam borrados e como há um limite do quanto o poeta pode ser um fingidor, essas questões ficam bem evidentes pela crítica que recebi do meu companheiro, que é ator: ele apontou que os momentos em que eu tento interpretar algum sentimento ou ação não são tão interessantes como aqueles que eu simplesmente assumo a performance. 

Por mais que eu concorde com ele, decidi divulgar o vídeo mesmo assim, assumindo, mais que suas falhas, seu caráter experimental. Há muito para eu entender sobre os limites entre performance e atuação. Ainda não sei exatamente que caminho começo a trilhar, mas estou empolgada com as possibilidades de experimentação. Há muito para eu testar e muito para eu descobrir. 


print de uma das tentativas do vídeo


(Ainda que interpretar ou reviver algum sentimento não tenha sido a intenção desse vídeo, preciso admitir que houve um caráter catártico-terapêutico nesse projeto. Finalmente sinto que entendi o que fazer com o amor que ficou depois do rompimento com uma amiga.)

Como sempre, com sinceridade e carinho,
Lorenza


BOTTI, Mariana Meloni Vieira. Espelho, espelho meu?: autorretratos fotográficos de artistas brasileiras na contemporaneidade. 2005. 152p. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Artes, Campinas, SP. Disponível em: <http://livros01.livrosgratis.com.br/cp142119.pdf>. Acesso em: 11 março 2022.




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