ligação para minha avó

Esse mês minha avó faz 90 anos, o que significa que faz 10 que ela foi diagnosticada com Alzheimer e que ela mora em Cascavel. Conforme a doença foi evoluindo, visitá-la foi se tornando muito doloroso, muito difícil e, por isso, começamos a nos vez cada vez menos.

Mas há algumas semanas, decidi ligar pra ela, ou melhor, ligar pra clínica onde ela está e pedir para falar com ela. É estranho falar com ela agora: ela, que sempre foi tão falante, está tão calada. Mesmo assim me fez muito bem contar um pouquinho da minha vida, pensar que alguma forma ela pode me acompanhar nesse começo da vida adulta. Foi tão simples e tão bom que me chocou pensar que demorei tanto tempo para criar coragem para fazer essa ligação. Hoje liguei de novo e mostrei a sapatilha bordada. Contei que estou estudando francês e que minha prima, uma de suas netas, teve gêmeos. Penso que nos acomodamos a certas dores e preferimos não fazer nada para mudá-las, acreditamos que ignorar certas coisas faz com que elas parem de existir. Pensei tanto sobre me despedir da minha vó, sobre ela estar indo aos poucos que esqueci que ela ainda não foi. 

Outro dia assistindo a Agente Duplo, documentário de Maite Alberdi - disponível no Globoplay -, pensei muito sobre o Alzheimer, que diga-se de passagem é meu maior e mais profundo medo, e pensei que ter consciência sobre as coisas muda tudo. A consciência nos permite ter calma e coragem para aceitar dos processos inevitáveis da vida. Talvez possa ser bonito ir assim, aos poucos, fazer a passagem em partes. Talvez essas pessoas acessem lugares que nunca vamos acessar, talvez saibam de coisas sobre o inconsciente, sobre a morte, sobre a vida e sobre viver que não fazemos a menor ideia que existem. Penso na música Não tenho medo da morte, do Gilberto Gil, e penso que minha avó convive o tempo todo com a Morte e com o morrer. Ligar para minha avó me faz conviver com a Morte e com o morrer também e, quanto mais penso sobre a Morte e sobre o Tempo, mais fácil e mais prazeroso fica viver.