contornos e todos aqueles que já tocaram o meu peito
Como comentei anteriormente, no ano passado fiz o curso da Yohannah de Olieveira sobre Arte e Processo Criativo (que infelizmente não está mais disponível) e por isso, em outubro, tive a oportunidade de participar de uma mentoria com ela. Essa mentoria foi determinante em muitos aspectos, entre eles cristalizar como o contato e o diálogo com jovens artistas é fundamental: ver Yohannah, que é apenas alguns anos mais velhas do que eu mas está vários passos a minha frente na produção artística, pude visualizar meu futuro como artista também. Uma mentoria vem de mentor e serve para te orientar, te direcionar, sugerir, instigar e isso é fundamental. Sinto que como artista iniciante isso é ainda mais importante, então fica aqui meu muito obrigada a Yohannah.
Bem, nessa época eu editava "coisas que meu ex-namorado não sabe sobre mim" e tinha acabado de fazer "contornos" e "todos aqueles que já tocaram o meu peito", ambas intervenções em fotografia, que em algum ponto, remetem a machucados e a suturas. Quem me apontou isso foi a Yohannah. Parece óbvio que depois de um término, além das outras questões pessoais pelas quais eu passava, eu procurasse formas de cicatrização, de sarar um machucado, de lidar com a dor. A partir disso, pedi a minha prima que cursa medicina que me passasse alguns artigos sobre cicatrização e fui estudar sobre isso. Os trabalhos ganharam outro significado e a pesquisa ainda me rende frutos, influenciando por exemplo "meu corpo traz memórias" e um outro que está sendo produzido.
"Contornos" foi um primeiro (e por ora único) teste de bordado em fotografia - aliás, a princípio queria aprender a bordar para bordar em fotos. Naquele período, pensava muito sobre quem eu era sem meu ex-namorado, quem eu era isolada, longe da minha família, amigos e até mesmo do olhar do Outro. Então a partir de fotografias bastante abstratas de parte do meu corpo, tentei definir meus contornos. Não racionalizei isso na época, simplesmente fiz. Ainda volto a essa obra de vez em quando e ela me lembra de muita coisa que considero fundamental para quem quero ser.
Com "contornos" aprendi que para bordar em fotos é melhor fazer todos os furos antes e sempre do direito para o avesso, se não fica um furo "sujo". Prendi a agulha numa rolha para não machucar meus dedos e fiz os furos todos no meu sofá. Usei ponto haste e quatro linhas na agulha.
"Todos aqueles que já tocaram o meu peito" é, em partes, uma releitura da obra "Everyone I ever slept with", da Tracey Emin, em que a artista costura em uma barraca o nome de todas as pessoas com as quais ela já dormiu - literalmente dormiu - incluindo sua avó, irmãos e filhos não nascidos. Gosto absurdamente de toda a obra dela. Escrevi os nomes com um prego, quase como uma chaga, e só me dei conta da violência disso durante a mentoria. Quando fiz a intervenção, tinha a sensação de que certas pessoas ficariam no meu peito pra sempre, sentia o desejo de que isso acontecesse e a necessidade de eu mesma marcar a importância delas em mim. Entraram nessa lista, ex-namorados; minhã mãe; irmã; madrasta; pai; algumas tias e primos; amigos, alguns bem antigos; minhas analistas; algumas professoras, incluindo a de balé; Clarice Lispector; Virginia Woolf; Mário de Andrade; João Guimarães Rosa; Eduardo Galeano e meu primeiro cachorro.
Os artigos sobre cicatrização de feridas:
GANTWERKER, Eric. Skin: histology and physiology of wound healing.
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