um ensaio sobre amor e sobre saudade

          Tenho me dado conta de que a vida acontece no presente, num presente que achamos que vai durar para sempre, com instantes eternos que nos preenchem até quase transbordar. Tenho buscado a sensação desses instantes eternos, buscado dar nome para essa sensação, essa espécie de lugar que me acolhia e me envolvia sem que eu me desse conta. Fico procurando por ela como se ela ainda fosse meu presente, mas já não é.

          De vez em quando eu solto uma respiração profunda e dolorida e sinto uma espécie de alívio: nesse milésimo de segundo é como se eu ainda estivesse lá, vivendo aquele presente sem pensar sobre ele, sem querer tentar entendê-lo quando ele não existe mais para ser entendido, como se ele ainda pudesse ser sentido. O que tenho para sentir agora é saudade.

          Uma saudade que desorienta, porque não é saudade de você necessariamente, mas do nosso afeto, de estar dentro do seu abraço, mas não fisicamente dentro dele. Sinto saudade dessa espécie de lugar onde só há intimidade e aconchego, dos mais puros e intensos. Desse lugar que só existe no presente, enquanto ainda somos nossos, nos pertencendo.

          Fico desorientada porque há essa tendência de colocar sua cara nesse lugar, como se você fosse ele. Mas ele é mais. O amor não tem cara. Tem intimidade, tem acolhimento, tem essa sensação desse presente eterno e intenso. Ele não tem a sua cara, por mais que ela insista em aparecer. Se tivesse sua cara seria mais fácil, pois você continua existindo. Era só ir te buscar e pronto, a saudade passaria.

          Acontece que o amor vive nesse lugar que só existe no presente, que agora é nosso passado. Existe meu amor por você e talvez o seu por mim, mas não mais o nosso amor e sem o nosso não há o tal lugar onde meu amor encontra onde se depositar e como nos envolver.

          Sinto sua falta e sinto saudade de te amar. Existe uma diferença entre essas duas coisas. Não é a toa que dizem que a palavra “saudade “ só existe na nossa língua. Sentir falta não é sentir saudade. A saudade é muito mais abstrata, muito mais imprecisa, muito mais difícil de entender e de sanar. Sinto saudade desse lugar de amor e sinto saudade de te amar. Ou seria saudade de amar, pura e simplesmente? Não seria pela busca desse lugar tão precioso que amamos, afinal? Por que razão uma pessoa ama a outra se não simplesmente para poder amar? Para poder viver nesse lugar, envolta de amor?

          O amor não tem a sua cara. Cada vez mais percebo isso. Sinto saudade de amar. 

Escrevi esse texto na época de Para Além do Ato, a princípio para ser a narração que nunca aconteceu, uns dois meses após ter terminado. 

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